Por Bruna Meneses*

Como imigrante brasileira, que experimenta as barreiras e os desafios diários de viver no exterior, fui tocada por esta realidade por muitas outras mulheres imigrantes brasileiras que também vivenciam essa experiência. 

Como psicóloga, não tem sido diferente no meu campo de trabalho. Atualmente, atendo a distância brasileiras por toda parte do mundo e tenho notado que, apesar da diversidade de países, os obstáculos enfrentados por cada uma longe de casa são semelhantes. Similaridades presentes nas narrativas de cansaço e sofrimentos existenciais provocados pela exposição a ambientes culturalmente diferentes. Lugares em que a trajetória imigratória exige reinvenção pessoal e profissional. Um processo de ajustamento angustiante para diversas mulheres.   

Certo dia, escutei de uma cliente: “vida de viajante é muito diferente da vida de imigrante”. Enquanto ela falava, despretensiosamente o seu olhar desviava-se para baixo. Confesso que ainda carrego comigo aquela expressão seguida de uma longa pausa silenciosa.  

Imigrar envolve silêncios. É não saber o que dizer, o que fazer, nem por onde começar. É ser como uma montanha, impossibilitada de mover-se, pelo acúmulo de tudo aquilo que não é dito, apenas vivenciado diariamente. O medo, a exclusão, a solidão, as frustrações e principalmente as dificuldades com o idioma local. Não dominar a língua tem um peso considerável nesta construção de uma “montanha interna”, uma vez que, além de limitar a comunicação, gerando um convívio social não saudável, inviabiliza oportunidades. Deste modo, o mundo à volta também se torna-se imóvel — como uma montanha — repleta de imposições que parecem afastar a imigrante do pertencimento. Uma “montanha” estrangeira, onde o esforço necessário para lutar e conquistar seu espaço distante de casa é duplamente maior do que o de alguém que nasceu ali.  

Escolher imigrar é deixar uma parte significativa da própria existência, renunciando sua casa, posição social e relações interpessoais. Abdicar é o gatilho inicial do sentimento de culpa, pois começar do zero é um caminho extremamente árduo e cercado de inquietações. Neste caminhar, é comum o surgimento de conflitos existenciais em razão da idealização inicial que se opõe à realidade vivida: “como eu gostaria que fosse” versus “o que o meio exige de mim”. 

“Como eu gostaria que fosse” é quando a vida idealizada para esta nova morada não é concretizada por inúmeras razões. A principal delas é a forma de lidar com as frustrações, em não conseguir corresponder às exigências daquele meio social. A frustração, por sua vez, é uma das sensações evidenciadas neste campo das realizações pessoais por conta das projeções daquilo que, provisoriamente, não é possível ser nem alcançar. Prevalecendo o desejo de ser quem verdadeiramente é, ao invés de apenas exercer papéis e funções que lhe são permitidos. Em paralelo a isso, “o que o meio exige de mim” é quando uma autoimagem é criada numa tentativa de se encaixar em um padrão que este novo cenário demanda. Um padrão que muitas vezes requer anulação das próprias raízes, isto é, intensificando o choque cultural. Neste campo das exigências do ambiente, há também demasiadas expectativas sobre quem migrou construídas por pessoas que não vivenciaram esta experiência. 

Em muitos casos, o meio vai atribuir a imigrante o dever de amparar, além das próprias responsabilidades para sua sobrevivência, a carga emocional, financeira e responsabilidades de familiares que ficaram em seus países de origem. Um lugar de amparo constante que a impede de expor suas fragilidades e de ser acolhida por pessoas do seu círculo afetivo.                                  

É interessante que, às vezes, parece que morar no exterior é estar isento de experimentar tristeza, medo e raiva, sendo estas emoções inerentes ao ser humano. Este é um ponto que me remete à lembrança da entonação de voz de outra cliente, que por meio de uma fala retraída expressava o quanto era difícil se comunicar com os amigos no Brasil, pois em seus diálogos era necessário ressaltar frequentemente que estava tudo bem, caso contrário, ouviria: “ah, mas você está em Paris, seja mais positiva”. Paradoxalmente, pode soar ingratidão não transparecer felicidade ao externalizar uma vivência pessoal em um lugar que não é casa, tampouco lar. Lidar com as visões ilusórias e expectativas dos outros sobre uma realidade com a qual não estão familiarizados, pode intensificar as angústias existentes neste percurso longe de casa. Ainda sob o olhar do outro, a ingratidão pode ser considerada fracasso, uma vez que a imigrante decida regressar ao seu lugar de origem. Uma decisão que lhe exige coragem frente ao emaranhado de incertezas e julgamentos.   

Não regressar, apesar de tudo, é um ato igualmente corajoso, principalmente quando a solidão é um dos maiores desafios. Encarar cotidianamente a solidão sem se perder de si mesma é ser inundada todos os dias pela mesma onda, e ainda assim, não se afogar.

Infelizmente, o casulo solitário existe na vida de muitas brasileiras imigrantes. A sensação de ser esquecida ou notar o enfraquecimento dos vínculos afetivos construídos ao longo da vida é tão esmagadora quanto a dificuldade de construir novos vínculos em um país diferente.

Diante disso, quero enfatizar a importância da construção de uma rede de apoio para aquelas que pensam em emigrar ou já migraram. Independentemente do país escolhido, é importante saber a quem recorrer em uma situação de emergência, uma vez que esse suporte pode representar cuidado e segurança. Essa rede de apoio pode ser composta por membros da família, um parente distante, amigos, ou até mesmo organizações e plataformas tanto físicas quanto online — como por exemplo o BRAVE — que pode acolher e ajudar a lidar com algumas necessidades específicas. Fechar-se em um casulo solitário e tentar atravessar por conta própria os conflitos internos e externos longe de casa pode te colocar em situações de vulnerabilidade e até de perigo. Portanto, é muito importante gerar conexões e laços, sempre que possível. 

É importante fazer networking, construir pontes com bases sólidas, buscar ajuda de um profissional da área de psicologia, e sobretudo, evitar escalar essas montanhas sozinhas.  

*Sobre a Autora: Bruna Meneses, Graduada em Psicologia pela Universidade Salvador, Gestalt-Terapeuta, Psicóloga online. Atualmente, reside em Nova York e trabalha com o público feminino focado em brasileiras imigrantes. Voluntária em plataformas online de grupo de apoio à imigrantes brasileiras e também atua em seu projeto social atendendo demandas psicossociais de brasileiras pelo mundo.