Queremos sempre compartilhar histórias de Brasileiras talentosas que fazem a diferença aqui na Bay Area. A Erika é uma dessas mulheres. Natural do Rio de Janeiro, onde graduou-se em Medicina pela UFRJ, se mudou para os EUA para fazer sua residência médica e agora, depois de terminar o Fellowship em Stanford, está atendendo mulheres no  El Camino Women’s Medical Group. Conheça os desafios e a trajetória da Médica Obstetra e Ginecologista Erika OB/GYN!


 

Como era sua vida no Brasil?

Minha vida no Brasil era super agitada! Me mudei para os EUA em 2009 quando vim fazer residência médica em Ginecologia e Obstetrícia em Nova York. Até então, fazia faculdade de Medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF/ RJ), pesquisa na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), aulas de conversação em inglês aos finais de semana e ainda estava estudando para as provas de validação de diploma aqui. Ufa! Sorte que não precisava de muito tempo para o namorado, que já morava nos EUA.

O que levou à mudança para os EUA? E como você se preparou para essa mudança?

O principal motivo que me trouxe aos EUA foi pessoal. Já namorava a distância há 8 anos e estávamos planejando casar. Íamos morar nos EUA ou no Brasil. Terminar com a relação à distância era nossa prioridade. Mas a vida profissional precisava caminhar junto com a pessoal. Seria muito difícil mudar minha carreira e meus sonhos. A faculdade de medicina em si foi uma jornada. Resolvi então tentar aplicar pra residência aqui e, se não desse certo, o plano B seria morarmos no Brasil e fazer residência lá mesmo.

A principal preparação que precisei fazer para essa mudança foi validar meu diploma de médica e conseguir uma vaga na residência. A validação de diploma de medicina é um processo muito longo e complicado. São três provas: duas teóricas em frente ao computador (8h cada, incluindo 1h de intervalo) e uma prova prática de 7-8h (sem intervalo!) onde você examina pacientes que na verdade são atores. A prova é filmada o tempo todo e são médicos que assistem e dão a nota. É ate interessante depois que voce já passou por esse nervosismo todo (lógico).

Depois de ter meu diploma validado, enviei meu currículo, cartas de recomendação e notas das provas de validação para cerca de 50 hospitais nos EUA inteiro (não dá para ser muito exigente nessa hora!). Fui convidada para 10 entrevistas com diretores e médicos desses hospitais. Fiz então um “ranking” em ordem de preferência para os hospitais que gostaria de trabalhar. Os hospitais fazem a mesma coisa com os candidatos e essas duas listas são cruzadas em um programa de computador chamado “MATCH”. Todos os médicos, americanos e estrangeiros, passam pelo mesmo processo quando querem uma vaga na residência e a concorrência é de igual para igual.
Diferentemente do Brasil que, passando no processo, você só consegue uma vaga no país inteiro. Se não quiser, tem que abrir mão da vaga e tentar novamente no próximo ano. Me sinto muito privilegiada de ter passado por todo o processo e ter sido “matched” na minha primeira opção, onde eu e meu noivo, na época, tínhamos boas oportunidades de trabalho.

 

O que foi parecido e o que foi diferente da sua expectativa?

A dificuldade de sair da casa dos pais, casar e morar fora do seu país longe da família foi um pouco mais difícil do que eu esperava. A residência médica nos EUA é muito puxada (100 horas de trabalho por semana) e você é tratado como escravo. Lembro que chorava quase que todos os dias no primeiro ano, quando chegava em casa depois de quase 30 horas de plantão, depois de ter ouvido muito desaforo, sem dormir (não existe rodízio de plantonistas aqui, pelo menos para residentes) e sem encontrar meu marido em casa, que obviamente já tinha ido trabalhar (foram 4 anos assim, um ano a mais que a residência no Brasil).

O que foi bem diferente do que eu esperava foi que, apesar das dificuldades, consegui fazer alguns amigos na residência que foram essenciais na minha jornada. Estávamos passando pela mesma situação e, apesar das nossas diferentes origens, conseguimos nos apoiar e seguir em frente quando muitas vezes pensávamos em desistir. Isso foi muito importante, pois eu convivia mais com essas pessoas do que com meu próprio marido naquela época.

O que você gostaria que você soubesse antes de se mudar?

Se eu soubesse que os meus primeiros anos aqui seriam difíceis profissionalmente, de repente eu estaria mais preparada psicologicamente ou não. É dificil saber… Acredito que estar longe de casa é dificil pra todo mundo e para certas coisas não tem mesmo como a gente se preparar.

Quais foram os seus maiores desafios?

Com certeza foi passar pelos primeiros dois anos da residência. Toda a adaptação de morar nos EUA, estar longe da família e também do meu marido, que era a única família que eu tinha aqui, mais a carga horária super pesada e exigente, os preconceitos… enfim! É uma grande lista!

O que você acha que aprendeu com essa experiência?

Eu aprendi que tudo nessa vida é possivel e você só precisa de foco e determinação (além de um imenso suporte emocional que foi essencial, não posso negar). Nunca acredite que você não é capaz! Todos nós somos capazes de atingir nossos sonhos se lutarmos por ele de verdade.

 

Você teve algum mentor? Alguém te inspirou e/ou orientou?

Duas pessoas que muito me inspiraram foram dois professores da faculdade que também tinham feito residência médica nos EUA e voltaram a morar no Brasil. Os dois me contavam histórias da residência e da vida aqui e encheram meu coração de sonhos.

Qual o momento mais marcante da sua jornada?

O que mais me marcou, e que ainda lembro como se fosse hoje, foi acordar meu marido para irmos nós dois, às 4h da manhã, escavar e desenterrar meu carro da neve, pois ele estava soterrado e eu tinha que estar no hospital às 5:30 da manhã… Também me lembro bem do dia em que estava de plantão no meu aniversário e ganhei 8 bolos de diferentes pacientes quando fiz o parto de seus bebês. O hospital todo comeu bolo naquele dia!

Como é seu trabalho hoje?

Não satisfeita com meus quatro anos de residência, ainda resolvi fazer mais dois anos de “fellowship” Cirurgia Minimamente Invasiva na Universidade de Stanford e foi quando nos mudamos para a Califórnia. Hoje fui contratada para trabalhar como médica e cirurgiã em Obstetrícia e Ginecologia no El Camino Hospital, em Mountain View.

Quais são os seus planos?

Eu desejo poder exercer tudo o que eu aprendi e assim ser capaz de ajudar muitas mulheres. A Ginecologia/Obstetrícia é uma área incrível onde você tem o privilégio de acompanhar a paciente a vida inteira, desde a adolescência com todos os seus questionamentos, passando pelo momento talvez mais importante de nossas vidas – o nascimento dos filhos – até a maturidade. É realmente uma honra ser escolhida pra fazer parte da vida de uma pessoa dessa forma.

Qual a sua dica pra quem está começando a trilhar esse mesmo caminho?

Primeiramente: não desista! Você é capaz! Confie nisso.

Busque a maior quantidade de informações possível antes de iniciar o processo. Seja por meio das pessoas que já passaram por isso, como também por blogs e comunidades virtuais. Muitas coisas não são explicitamente ditas nos meios formais das organizações que comandam a validação.

Outra coisa que foi essencial pra mim foi cursar algumas matérias do internato eletivo da faculdade nos EUA. Não apenas consegui ótimas cartas de recomendação, como vivi nos EUA por alguns meses e pude ter certeza que era isso mesmo que eu queria.