Categoria: Sua História

  • Vanessa Murachovsky

    Vanessa Murachovsky

     

    Olá! Meu nome é Vanessa e tenho 3 sobrenomes impossíveis de entender se não forem soletrados. Meu nome significa uma espécie de borboleta e tenho 32 anos.

    Aventura me fascina, não gosto de rotina e pessoas carinhosas me atraem. Sou viciada em brigadeiro e pôr do sol, gosto de registrar detalhes que poucos enxergam.

    Sou brasileira, de São Paulo. Acostumada com os arranha-céus, restaurantes badalados até 3h da manhã e grudadíssima na minha família, parecia pouco provável que eu me adaptasse a uma vida no subúrbio.

    Sou dentista de formação, especialista em pediatria e prótese estética, cliniquei em São Paulo por quase 10 anos. Aquela rotina casa-clínica-estágio-hospital parecia me ocupar bastante para não pensar muito no que me incomodava: quando as asas da borboleta vão voar para sua próxima aventura?

    Até  quando meu marido (noivo na época) veio com a ideia de passarmos 2 anos em Berkeley para ele fazer sua pós-graduação. Na mesma hora eu falei: olha, acho que não vai dar certo, não quero morar longe de ninguém, melhor cada um seguir seu caminho. Carinhoso do jeito que é, foi pouco a pouco me convencendo da ideia louca de nos mudarmos para Califórnia.

    Casei de véu e grinalda e, logo depois que cheguei da lua de mel, mudamos aos trancos e barrancos, por livre e espontânea vontade. Cheguei em Berkeley no dia 1o de Janeiro de 2016, e naquele dia bem gelado tentamos fazer daquela pequena cidade estilosa, nosso novo lar.

    Como eu não podia exercer minha profissão nos EUA, resolvi abrir minha cabeça e me inscrevi em vários cursos na UC Berkeley, um deles era de fotografia para iniciantes. Estava animada, porém com medo de não entender nada. Para minha surpresa, meu mundo se abriu e consegui unir a fotografia com o que eu mais gostava na odontologia pediátrica (estar com crianças e psicologia).

    Os dois anos iniciais passaram e nossa decisão de continuar aqui foi fortalecida  com a proposta vinda do trabalho do meu marido. Logo após o curso, fui a um evento para brasileiros focado em pequenos negócios, e naquele dia a fotografia tornou-se minha nova profissão.

    Eu fiquei completamente encantada em poder contar uma história com meu olhar, eternizar momentos tão únicos para toda a eternidade, e espalhar alegria e amor com meu trabalho como toda geminiana gosta de fazer! A partir do momento em que comecei a trabalhar cada vez mais, pude sentir a criatividade brotar a cada instante, a paixão pelo retrato e tudo o que significa a experiência da foto.

    Estudei muito sobre psicologia por trás da foto, como contar uma história, roteiro, cenário, psicologia das cores, posições, direção, edição, e juntei com o que eu acho de mais importante: conexão!

    Amor gera amor, respeito gera respeito e gentileza gera gentileza. Gosto da conexão que crio com cada família, e a partir daí, deixo o momento fluir para fotografar com carinho o que mais gosto: fotos com emoção.

    Acredito que toda história é linda e deve ser contada da maneira mais genuína possível, sempre com um olhar gentil a cada pessoa.

    O que eu aprendi  mudando para cá? Que além de a Califórnia ter as estações do ano lindas e bem definidas, que o chocolate quente da Ghirardelli aquece muito em dias de inverno e que o Bart na hora do rush é insuportável, aprendi que meu sotaque de brasileira significa coragem e que sonhos se tornam realidade. Nunca imaginei que como imigrante fosse começar uma carreira do zero (que eu amo do fundo do meu coração), que iria fotografar famílias de todas as nacionalidades, vivenciar momentos lindos, conhecer pessoas incríveis, ser convidada para fotografar outros países à convite de consulados e fazer fotos para a Panasonic.

    Aprendi a balancear as asas que tenho em mim e as raízes que sempre gostei de ter. Quero ter asas para correr o mundo, e terra para criar raízes.

    Que sejamos borboletas, e raízes também.

    “to be lost is as legitimate a part of your process as being found”

     

  • Rosana Sanford

    Rosana Sanford

     

    Logo depois de se formar em letras, a paulistana Rosana Sanford veio para os Estados Unidos como au pair em 2001 e de imediato percebeu que queria ficar por aqui. Numa visita ao Havaí, nos últimos dias da viagem conheceu um californiano que acabou se tornando seu marido e pai de suas duas filhas. Na época ela morava em Nova Iorque, mas resolveu apostar na relação e seis meses depois se mudou de mala e cuia para a Bay Area.

    Apaixonada por bibliotecas e cantigas infantis desde criança, Rosana desenvolve há quase três anos atividades que promovem a cultura brasileira entre crianças de 0 a 5 anos. Em janeiro de 2017, essas atividades deram origem ao projeto Histórias e Cantigas Brasileiras, que é realizado todas as terças-feiras, das 10h30 às 11h15, na Grand Ave Library, biblioteca em South San Francisco. O trabalho, voluntário, representa para Rosana uma grande realização pessoal. E sua iniciativa tem sido reconhecida: recentemente, ela foi eleita Voluntária do Ano 2019 da Biblioteca de South San Francisco. “Gosto de receber as famílias na biblioteca e de ter essa influência positiva na vida dessas pessoas”, diz. “Às vezes acho que fui presenteada com a possibilidade de criar as minhas filhas aqui e de mediar leituras para as crianças da biblioteca. Posso vivenciar algo que desejava e não pude ter e aprendo muito com elas.”

    Por que você decidiu mudar para os EUA? 

    Em 2000 eu trabalhava no departamento de cobrança do banco Bradesco e estava prestes a me graduar no curso de Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie graças a uma bolsa de estudos integral. Eu não gostava do meu ambiente de trabalho e não era muito otimista em relação ao meu futuro na área de educação no Brasil. Meu plano era concorrer a uma vaga no programa de mestrado da Universidade de São Paulo ou vir para os Estados Unidos como au pair.

    O plano A não deu certo, então, em 13 de maio de 2001, aos 21 anos, fiz o primeiro vôo da minha vida com destino ao aeroporto de Newark, no estado de Nova Jersey. Morei em Parsippany, também em Nova Jersey, por um ano com a minha família anfitriã e no término do meu programa de au pair, que naquele tempo durava apenas um ano, me mudei para a cidade de Nova Iorque.

    Em setembro de 2005, fui sozinha conhecer a ilha de Oahu, no Havaí. Precisava aproveitar os últimos meses de validade da minha carteira de motorista. Lá, dois dias antes de ter que regressar para Nova Iorque, conheci o homem que hoje é meu marido. Namoramos à distância por seis meses e em abril de 2006 decidi arriscar mais uma vez e me mudar para San Francisco, cidade pela qual eu já tinha me apaixonado durante uma visita de uma semana em 2003. Morava sozinha, fazia cursos que estavam ao meu alcance e tinha ótimos amigos. Mas não hesitei em deixar aquela vida para trás. Confiava na possibilidade do meu relacionamento ser duradouro e lembrei dos momentos em que já tinha sonhado em me mudar pra cá. Agora eu tinha duas paixões aqui!

    Você teve alguma dificuldade para se adaptar a viver nos EUA? Qual foi o momento mais difícil que enfrentou? Daria alguma dica em particular para quem está vindo pra cá ou para quem acabou de chegar?

    Tive um certo choque ao chegar na casa da minha família anfitriã. Minha mãe-anfitriã era bastante independente e exigia o mesmo de mim. Não que eu não fosse, mas vi que ali eu não teria nenhum amparo emocional. No dia em que cheguei na casa dela, ela me deu a chave do carro e pediu que eu fosse passear. Naquele tempo eu não tinha smartphone nem GPS. Vi que tinha que procurar o caminho da roça e não demonstrar vulnerabilidade a ela.

    Com o tempo e com as histórias que eu ouvia de outras au pairs, percebi que eu até que tinha me dado bem. Lá eu cuidava dos dois filhos dela, um de 5 anos e outro de 3. O mais velho era desafiador. Era portador de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (ADHD na sigla em inglês) e ficava agressivo quando não conseguia o que queria. Eu nunca tinha lidado com crianças daquele jeito. Era muito difícil, mas, felizmente, a mãe dele sempre confiou em mim e me apoiava nas decisões que eu tomava para discipliná-lo.

    Acho que todo começo é difícil e cada um de nós tem uma história diferente. Prefiro não dar conselhos, apenas compartilhar a minha trajetória.

    Como nasceu a ideia de desenvolver o trabalho de histórias e cantigas brasileiras com crianças aqui nos EUA? Você já tinha trabalhado com isso antes? 

    Eu sempre fui frequentadora assídua de bibliotecas. Em todas as fases da minha vida elas estiveram presentes. Quando vim para os EUA, mais ainda, já que aqui elas não se limitam apenas ao empréstimo de livros.

    Enquanto eu morava em San Francisco e trabalhava como babá, passei a frequentar os “storytimes“. Tenho a impressão que eu gostava mais do que as crianças. Fiz amizade com bibliotecários, outras babás e responsáveis que frequentavam as atividades com as crianças. Saíamos da biblioteca e continuávamos a manhã no parquinho. Essa era a minha comunidade.

    A idéia de criar um grupo semelhante aos que eu frequentava em inglês, mas com atividades em português, surgiu logo após o nascimento da minha primeira filha, Gabriela, hoje com cinco anos. E essa ideia se fortaleceu quando ela começou a falar e eu passei a notar em encontros com amigos que pais brasileiros se comunicavam em inglês com seus filhos e, por consequência, as crianças também optavam pela língua inglesa. Eu pensava em criar o projeto, mas faltava encontrar um lugar.

    Há três anos, quando a Lilian, minha segunda filha nasceu, surgiu a possibilidade de fazê-lo na biblioteca pública de South San Francisco após uma conversa que tive com o bibliotecário que mediava as atividades semanais para bebês. Foi no ano de 2016. Ele demonstrou interesse e curiosidade no bilinguismo das minhas filhas e disse, com pesar, que por conta da demência de sua avó ele já não podia mais se comunicar com ela. Ela é espanhola e conversou a vida toda com os filhos e netos em inglês. Agora que está doente, ela só fala em espanhol. Foi aí que notei que para ele a língua de herança e o respeito à diversidade linguística e cultural são tão importantes quanto são pra mim. Perguntei se ele gostaria que eu cantasse duas cantigas e mediasse uma leitura bilíngue no término das atividades dele em inglês. Ele aceitou prontamente e foi assim que as portas se abriram para as atividades que temos hoje.

    Português não é uma língua muito requisitada no exterior e a comunidade brasileira não é uma das maiores na Bay Area. Como você conseguiu apoio da biblioteca e da comunidade para o seu projeto?

    Eu vi que o momento era oportuno para conseguir o que queria. Tinha um bibliotecário curioso e entusiasmado e o Facebook como ferramenta para a divulgação das atividades. Ingressei em grupos locais de mães e passei a convidá-las semanalmente para as atividades. Embora elas fossem bem curtas, já que eu ia a reboque do “Boucing Babies Storytime”, a comunidade brasileira começou a frequentar em grande número a biblioteca.

    Prosseguimos com as atividades informalmente de setembro a dezembro de 2016. Até que por algum motivo que até hoje eu desconheço o mesmo bibliotecário que se mostrou a favor das nossas atividades informou que teríamos que interrompê-las. A essa altura a presença da comunidade brasileira na biblioteca já era considerável e as discussões continuavam em rede social. Foi então que uma mãe decidiu enviar um e-mail à biblioteca dizendo que se sentia discriminada com a decisão tomada. Em menos de duas horas ela recebeu um retorno do assessor da diretora da biblioteca nos convocando para uma reunião. Saímos de lá com um dia e horário exclusivos para as atividades em português que eu coordenaria. Foi aí que passei a amar ainda mais a biblioteca pública de South San Francisco e chamá-la de minha. Na primeira terça-feira de janeiro de 2017, sediamos o nosso primeiro encontro na Grand Ave Library.

     

     

    Como são esses encontros semanais? Só famílias brasileiras participam?

    Costumo organizar as atividades em um módulo de oito semanas. A criança na primeira infância aprecia a repetição e este processo faz que, com o passar do tempo, elas comecem a se apropriar do conteúdo compartilhado.

    As atividades são exclusivamente em português, mas não são restritas a lusófonos. Recebemos regularmente responsáveis curiosos de diversas nacionalidades que apreciam este tipo de exposição linguística e cultural na vida deles e das crianças. Já recebemos romenos, russos, gregos, hispânicos e asiáticos de diversos países, americanos e por aí vai. Sempre prossigo com as atividades em português. Se vejo necessidade, explico o contexto do que está acontecendo. Muitos parecem gostar e voltam sempre que possível.

    Como você consegue os livros em português?

    Logo que concedeu o espaço para a mediação de atividades em português, o assessor da diretora também anunciou que trabalharia na criação de um acervo em português na nossa biblioteca. Algumas semanas depois, uma compra de 80 livros foi fechada com Bárbara Gomide, da livraria infantil Janelinha Cultural. Também passamos a receber doações de indivíduos da comunidade e escritores brasileiros. O clube de leitura Quindim também fez uma generosa doação ao nosso acervo. No ano passado, uma outra compra de aproximadamente 30 livros foi fechada com a Brasil em Mente, ONG com sede em NYC que trabalha na promoção do PLH (Português como Língua de Herança) e formação de professores na área.

    Para as mediações, uso livros adequados à faixa etária das crianças que frequentam o projeto e livros que também fluam bem com o grupo, já que a atenção das crianças pequenas é limitada. As ilustrações e o ritmo das histórias são tão importantes quanto o seu enredo. Como nem todos os livros do nosso acervo são adequados a crianças de 0 a 5 anos, muitas vezes levo livros da minha casa para os encontros.

    Essas histórias e cantigas fizeram parte da sua infância ou você acabou descobrindo a maioria delas depois, conforme foi desenvolvendo o projeto?

    As cantigas fizeram parte da minha infância. Eram até mesmo uma das atividades que eu mais gostava no prezinho. Cantávamos em fila antes de entrar na sala de aula.

    Quanto aos livros e histórias, não tive muito acesso. Sequer tenho lembranças de professores de educação infantil lendo para os alunos. Em casa também não tínhamos livros, mas desde cedo eu tinha curiosidade em saber o que os sinais na rua diziam e abusava das chamadas para a Carochinha, um serviço telefônico pago que contava histórias, toda vez que a minha mãe me levava para a casa de seus patrões. Acho que a conta das ligações nunca chegou às mãos deles. Eram americanos e a empresa multinacional para a qual trabalhavam pagava boa parte das despesas da família.

    Às vezes acho que fui presenteada com a possibilidade de criar as minhas filhas aqui e de mediar leituras para as crianças da biblioteca. Posso vivenciar algo que desejava e não pude ter e aprendo muito com elas.

    Você também usa esses encontros semanais para celebrar datas importantes da cultura brasileira, como Carnaval e Festa Junina. Quais festividades você inclui no calendário e como surgiu essa ideia?

    Sim! O intuito do projeto é não somente resgatar a língua de herança que, muitas vezes, é deixada de lado, mas também as tradições culturais brasileiras. Nos módulos de oito semanas procuro sempre trazer cantigas e parlendas – versos infantis ritmados e repetitivos – que remetem a celebrações da época. Também comemoramos o Carnaval, Festa Junina, Dia do Folclore, Dia da Criança e Natal.

    Você fala português em casa com suas filhas? Seu marido também fala português? Suas filhas também participam dos encontros na biblioteca?

    Eu converso com as minha filhas apenas em português. Meu marido, o Matt, passou a entender a língua portuguesa muito mais depois do nascimento delas. Em nossas interações na mesa de jantar, por exemplo, minhas filhas se dirigem a mim em português e ao pai em inglês. Quando necessário, eu explico a ele o que estamos discutindo. Minhas filhas também se comunicam em português quando conversam entre elas. Até o momento tenho conseguido com sucesso que o português seja a língua da nossa casa. O apoio e respeito do Matt contam muito. Vejo que a dinâmica é um pouco diferente em famílias em que o parceiro não se sente tão confortável com a língua minoritária.

    A minha filha mais velha frequentou as atividades na biblioteca até o ano passado. Com o ingresso no Kindergarten, o horário não permite mais, mas a Gabriela expressa com frequência o quanto sente falta dos encontros. Já a mais nova está comigo sempre. Assim como a Gabriela fez, a Lilian frequenta a pré-escola apenas três manhãs por semana.

    Quais os seus planos futuros para o projeto? Tem algum sonho em particular?

    Em fevereiro mediei a primeira atividade de sábado voltada ao público mais velho. Fizemos geleca caseira. Minha meta é levar uma atividade mensal e explorar diversas áreas do conhecimento. Em março tivemos arte e em abril teremos física. Essas atividades contam com o apoio de dois voluntários entusiastas das respectivas áreas. Aprecio grandemente colaborações como estas e gostaria de recebê-las com mais frequência. Além disso, também gostaria de ampliar o nosso acervo público. Acredito que a melhor forma de fazê-lo seja adquirindo descontos ou doações de editoras. Seria incrível se eu pudesse contar com o auxílio de alguém para lidar com a questão burocrática no contato com editoras, escritores, clubes de leitura e/ou indivíduos.

    Além disso, também gostaria de ampliar o nosso acervo público. Acredito que a melhor forma de fazê-lo seja adquirindo descontos ou doações de editoras. Seria incrível se eu pudesse contar com o auxílio de alguém para lidar com a questão burocrática no contato com editoras, escritores, clubes de leitura e/ou indivíduos.

    O que é mais gratificante nesse trabalho pra você?

    As interações que tenho com as crianças e suas famílias. Saber que mesmo aquela criança que é muito tímida se solta quando fazemos bolinhas de sabão ou volta pra casa cantando o que aprendeu comigo. Gosto de receber as famílias na biblioteca e de ter essa influência positiva na vida dessas pessoas.

  • Andrea Litto – BRAVE Sua História

    Andrea Litto – BRAVE Sua História

     

    Andrea LittoA paulistana Andrea Litto veio para os Estados Unidos nos anos 90 cursar o High School e acabou descobrindo que aqui era o seu lugar. Ela fez o caminho inverso do seu pai, um americano que casou com uma brasileira e acabou se apaixonando pelo Brasil, onde mora até hoje. O pai de Andrea, Fredric Litto, levou para o Brasil o conceito da adoção de tecnologias da informação na aprendizagem. Criou a Escola do Futuro, da USP, onde foi professor emérito, e hoje preside a Associação Brasileira de Ensino à Distância (ABED). Já Andrea, agora casada com um americano, criou a SiliconHouse, onde usa o network que desenvolveu ao longo dos seus mais de 20 anos morando na Bay Area para ajudar empreendedores, principalmente brasileiros, a mergulharem na cultura do Vale do Silício e levarem adiante seus projetos. Andrea também é uma das conselheiras do BRAVE. Na conversa a seguir, ela conta como esse projeto nasceu e cresceu.

     

    Por que você decidiu mudar para os EUA?

    Eu nasci no Brasil, mas meu pai é americano. Em 1992, quando tinha 16 anos, vim fazer o High School aqui, fiquei em Cupertino, na casa de uma tia. Voltei pra São Paulo, prestei vestibular para Pedagogia, fiz duas semanas de curso na PUC e vi que não era pra mim. Eu queria voltar pra cá. Sabia que meu lugar era aqui. No primeiro ano do meu retorno, em 1995, estudei fotografia. Depois fiz culinária. Fui descobrindo que meu universo é muito mais artístico do que acadêmico.

     

    Você acabou trabalhando nessa área?

    Sim, eu comecei a trabalhar como personal chef. E na verdade isso abriu as portas para o que eu faço hoje na SiliconHouse. Trabalhei como personal chef na casa de alguns executivos de fundos de venture capital, conheci muita gente desse meio e dessa forma comecei a montar minha rede de contatos aqui. O passo seguinte foi abrir minha própria empresa de catering, a Tailored Cuisine. Fui dando assim meus primeiros passos como empreendedora. Mas, naquela época, final dos anos 90, início dos anos 2000, a palavra empreendedorismo não estava na moda como hoje e eu nem tinha ideia do que era isso.

     

    E como você migrou do mundo da culinária para o de inovação e startups?

    Eu estava cansada de só fazer festas e eventos, sentia que não estava aprendendo muito. Começou a surgir essa coisa de empreendedorismo e me identifiquei. Cada vez mais brasileiros vinham pra cá e frequentemente eu promovia jantares em casa para receber essas pessoas, muitas vezes que eu nem conhecia, eram amigos de amigos, para introduzi-las ao Vale, apresentá-las a outras pessoas. Tudo foi convergindo. Eu sou tímida e esses encontros eram uma grande oportunidade de aprendizado pra mim também. Gostei muito disso. Chegou a um ponto que tinha jantares em casa quase todo dia. Vi que havia uma oportunidade de negócios aí.

     

    Foi assim que nasceu a SiliconHouse?

    Sim, foi em 2012, com outros dois sócios que hoje não estão mais comigo, mas que foram fundamentais para tornar esse projeto realidade. Eu achava que nunca seria capaz de tocar um negócio sozinha e eles me ajudaram muito. Eram brasileiros também – um com um perfil bem voltado para negócio e uma jornalista. Na ocasião, eu morava em Mountain View e alugamos uma casa do lado da minha. Recebíamos empreendedores do mundo todo, não apenas brasileiros, que ficavam hospedados lá por 21 dias. Eram grupos de até dez pessoas. A gente montava um programa específico para as necessidades de cada grupo, de cada empreendedor. Palestras sobre a história do Vale do Silício, as principais tendências, conversas com advogados especializados em abertura de startups e registro de patentes, mentores, investidores, potenciais parceiros, outros empreendedores que poderiam ter a ver com o negócio de cada um. Vi startups se juntarem e darem origem a uma nova empresa. Foi mágico, super rico ver essas pessoas interagindo. Mas depois de um tempo nos deparamos com o dilema da falta de dinheiro dos empreendedores para bancar esse programa de imersão.

     

    O que vocês fizeram então?

    Mais uma vez convergiram uma série de fatores. A casa que alugávamos foi vendida, passamos a ser procurados por entidades como Senac e Sebrae para montar programas mais curtos, de cinco dias, para executivos. Muitas vezes grandes empresas trazem clientes e os próprios funcionários responsáveis pela área de inovação. Esses profissionais geralmente preferem ficar em hotel. Hoje, esse modelo de cinco dias é o preferido dos grupos que atendemos. Os programas são sempre customizados para o perfil dos participantes. E os encontros continuam sendo na minha casa, em San Jose, onde moro agora.

     

    E quais os planos para o futuro?

    Eu gosto do modelo atual, mas o meu coração ainda está no programa de 21 dias com os empreendedores, onde vi muitos frutos serem gerados. Minha meta é ter um fundo financiado por empresas capaz de bancar a vinda de empreendedores talentosos, com grandes ideias, mas sem condições financeiras de viajar para o Vale do Silício. Quero também trazer mais mulheres. Já estou trabalhando nisso. No último ano, consegui trazer duas startups que vieram bancadas por uma grande empresa que tem interesse no que elas estão desenvolvendo. Num dos casos, foi uma conexão que eu consegui fazer entre uma empresa que já tinha vindo pra cá e uma startup que queria muito vir, mas não tinha condições. Eu percebi que as duas tinham muito a ver e as coloquei em contato.

     

    Em toda essa caminhada, você enfrentou alguma dificuldade por ser mulher ou por ser brasileira?

    Mais por ser mulher do que por ser brasileira, pois ajuda o fato de estar aqui há mais de 20 anos. Mas como o universo empresarial ainda é muito masculino, tive que provar que a SiliconHouse não é a minha casa de bonecas. Esse na verdade é um trabalho constante.

     

    Você se sente realizada tanto financeiramente como intelectualmente com o trabalho que faz hoje?

    Financeiramente ainda não, ainda dedico muito tempo para a prospecção dos participantes. Mas eu considero que tudo o que eu tenho aprendido me coloca numa trajetória muito boa para o futuro, acredito que ainda tem muitas coisas boas que vão acontecer.

     

    O seu marido e até mesmo o seu filho de 12 anos participam dos programas da SiliconHouse. Como isso aconteceu?

    Foi bem natural. Na verdade essa atmosfera de inovação e empreendedorismo é muito presente na nossa casa. Meu marido já criou mais de uma startup que acabou sendo vendida, ele começou a programar quanto tinha 9 anos, hoje é consultor na área de tecnologia. Ele é mentor da SiliconHouse e me ajuda a elaborar a parte de inovação dos programas. O meu filho cresceu nesse ambiente, sempre com gente em casa, e um dia, há uns dois anos, pediu meu computador emprestado dizendo que queria fazer um powerpoint sobre a startup dele. Ele fez em 15 minutos e batizou a startup de Robot Perl, que era o nome do nosso cachorro na época. É uma empresa de cachorros robôs que servem como cão-guia para pessoas com deficiência visual. A ideia dele é que a parte dos olhos dos robôs use a tecnologia de realidade aumentada. Sempre que temos grupos em casa ele pede pra apresentar a startup dele. E as pessoas curtem. Ele também já absorveu uma das características da cultura do vale que é a de retribuir, o chamado “give back”. Num trabalho que fez pra escola, ele escreveu que queria usar o dinheiro que tem guardado para investir em criptomoedas e aí juntar tudo e doar para organizações como a Kiva, uma ONG que oferece microcrédito a pequenos negócios com poucos recursos. Eu confesso que fiquei muito feliz.