Aos 25 anos, Ingrid Munoz reside em Nashville, Tennessee, e tem um currículo profissional que conta com atuações na maior companhia aérea da América Latina e em uma das principais fornecedoras de serviços de saúde dos EUA. Em seu mais novo projeto, ensina inglês a mulheres das periferias do Brasil. No entanto, defini-la apenas pela sua profissão e endereço seria um verdadeiro desperdício de detalhes que inspiram e nos fazem refletir sobre a jornada imigrante. Desde muito jovem, ela coleciona conquistas e desafios dentro e fora do mercado de trabalho. Hoje, vamos conhecer um pouco mais sobre sua trajetória, movida pela vontade de aprender, crescer e retribuir à sua comunidade.

Raízes e Primeiros Passos 

Ingrid cresceu no Grajaú, um bairro da zona sul de São Paulo. Apesar de crescer em um ambiente onde cruzar fronteiras, sobretudo internacionais, ainda é algo inimaginável para muitos, Ingrid sempre sonhou em aprender inglês e explorar o mundo. Aos 14 anos, entrou como menor aprendiz na LATAM, maior companhia aérea da América Latina. Foi uma época de muito treinamento e desenvolvimento: “todo mundo falava algum outro idioma além do português e isso me incentivou muito a também aprender outros idiomas, sobretudo o inglês. Minha experiência naquela época foi decisiva para a forma como eu enxergaria o meu futuro”, comenta. 

Aos 16 anos, Ingrid tornou-se a funcionária efetivada mais jovem da LATAM a nível mundial. Mesmo vivendo o dia a dia de uma empresa com alcance global, a velocidade com que estava aprendendo inglês não atendia suas expectativas, e então Ingrid começou a procurar experiências mais imersivas para acelerar o seu aprendizado. Ao mesmo tempo que queria se jogar de vez em uma experiência no exterior, não contava com a opção de uma mudança brusca, já que também ajudava em casa e precisava se planejar financeiramente para o intercâmbio.

Aos 18 anos, ela decidiu deixar a LATAM e começou a trabalhar em uma empresa de saúde em meio período para que pudesse, aos poucos, se preparar para uma experiência fora. Entre o trabalho e aulas de  inglês, ela conseguiu equilibrar suas responsabilidades e seguir em frente com seu objetivo de crescimento pessoal e profissional. Um ano depois, Ingrid fechou contrato com uma agência de intercâmbio para atuar como au pair nos Estados Unidos. 

Aprender inglês foi uma experiência muito desafiadora para Ingrid, especialmente quando era desencorajada por outras pessoas. “Uma professora de inglês me falou que eu nunca ia conseguir aprender inglês, que não era pra mim e isso foi um balde de água fria”, relembra. Determinada, trocou de professora e passou a estudar inglês diariamente, alcançando pequenas conquistas como entender uma série em inglês e textos mais complexos através do contexto e assimilação. 

Durante o processo de se tornar au pair, Ingrid passou por várias entrevistas frustrantes e cancelamentos de contratos por conta da pandemia. Eventualmente, encontrou uma família na Pensilvânia com quem se identificou; um alivio em meio de tantas frustrações: “Quando consegui fechar o contrato com essa familia, em que os dois eram médicos e negros, me senti representada e pensei que tudo acontece da forma que tem que acontecer – e também me motivou pois estava diante de um ótimo exemplo que podemos chegar aonde quisermos, independente de onde viemos ou da nossa cor”, comenta Ingrid.

Adaptação

O período exato da mudança, a caminho do aeroporto, é uma virada de chave para muitas brasileiras imigrantes e com Ingrid não foi diferente. Ao se despedir da família no aeroporto, pensou em todas as dificuldades enfrentadas por sua família e como sua mãe sempre foi exemplo de resiliência. Além disso, como uma mulher preta da periferia, Ingrid sabia que poucas como ela já tiveram ou terão a oportunidade de viajar de avião, e pouquíssimas terão a oportunidade e possibilidade de mudar de país.

Ingrid em família: irmã, esposo e mãe

Para tornar sua aventura ainda mais cheia de adrenalina, suas malas foram extraviadas durante a conexão e ela teve que chegar aos Estados Unidos tendo que se comunicar para resolver a questão das malas, explicando o que tinha dentro delas e utilizando termos que ainda não dominava na nova língua. Entretanto, Ingrid havia estudado intensivamente para poder interagir com as crianças e agir em emergências, como ligar para a polícia ou pedir comida. 

Com a primeira família, ela passou três meses. Além de todo o choque cultural, Ingrid afirma ter sofrido com o “complexo de vira-lata”, duvidando se merecia estar ali e sempre questionando se conseguiria falar inglês de forma suficiente. A falta de autoconfiança a paralisou, sentindo-se frustrada e temerosa em pedir um rematch ou completar passos importantes na vida da imigrante como tirar a carteira de motorista.

Um desafio muito comum na jornada da imigrante brasileira também é lidar com uma visão extremamente estereotipada e deturpada da realidade brasileira. No caso de Ingrid, alguns questionamentos ficavam ainda mais claros que pessoas à sua volta não sabiam nem faziam a mínima questão de pesquisar por alto sobre o Brasil.

Mudanças: rumo a novos desafios

Após atuar como au pair na Pensilvânia durante três meses, ela se conectou com uma nova família e embarcou rumo a Las Vegas. Ao chegar, o host dad elogiou seu inglês, dizendo que era muito bom porque conseguiam se comunicar – e essa é uma lembrança que Ingrid carrega até hoje, por ter a incentivado a continuar sua jornada nos Estados Unidos. No entanto, após três meses, a família saiu do programa devido a situações financeiras e durante esse mesmo período Ingrid começou a namorar seu atual marido. Após alguns meses de namoro, decidiram se mudar para Dallas, no Texas, grande parte por conta da comunidade brasileira na região e o trabalho de seu esposo o dava flexibilidade de trabalhar remotamente.

Então, em julho de 2022, se mudaram para o Texas. Embora não planejasse ficar nos EUA a longo prazo, viu uma boa oportunidade para crescer profissionalmente e construir uma carreira.

Ingrid e esposo

Crescimento Profissional

Sempre focada na sua independência financeira, logo após a mudança para Dallas, Ingrid conseguiu um emprego em housekeeping em um hotel. “Essa foi uma experiência muito boa, pois tive a oportunidade de trabalhar com outras brasileiras, cada uma com sua história de vida, mas com muitos desafios em comum”.

Foi durante essa época que também teve a realização de que brasileiros são ótimos profissionais que estão em falta com a autoconfiança, sobretudo atuando fora do Brasil. “Em uma visita recente ao Brasil, percebi o tanto de orgulho que minha família tem de mim. Ver minha avó me enxergando com um olhar de admiração me fez questionar o porquê não me via da mesma forma.”

Ingrid e sua família no Brasil

Após a temporada trabalhando no hotel, Ingrid passou por alguns outros empregos e, através de uma comunidade brasileira, conseguiu uma vaga de recepcionista para uma empresa no ramo automotivo, onde foi promovida para assistente do CEO, cargo que lhe rendeu responsabilidades de se comunicar com clientes e parceiros em vários países.

Em setembro de 2023, se mudou para Nashville, e até recentemente atuava na área de serviços de saúde, como Data Entry Specialist. Ingrid conta que, durante o processo de contratação, pela primeira vez, negociou seu salário a partir de uma nova perspectiva, apresentando com fatos como o seu impacto na nova empresa justificaria o salário reajustado.

Ao longo da sua carreira, Ingrid investiu em sua carreira buscando certificações relevantes, como a certificação do Google em Project Management e desenvolveu suas habilidades com foco em aprimorar processos, gerenciar dados e gerir projetos e atividades. 

Educação Continuada e Novos Projetos

Ingrid busca educação continuada, aproveitando cursos online, muitos dos quais conseguiu acessar por meio de doações a ONGs. Sua escolha pelo Project Management visa aprofundar sua compreensão dos frameworks e abordagens, enquanto ela se concentra em expandir seu vocabulário para a área administrativa, inclusive através do estudo de cursos em inglês e da prática regular no Duolingo. Ela se compromete com a consistência no uso da linguagem e aproveita recursos gratuitos, como aulas de conversação em bibliotecas e igrejas locais.

Nos próximos passos de sua jornada, Ingrid está se preparando para ingressar na faculdade nos Estados Unidos, estudando disciplinas como Ciências, Matemática e Composição em Inglês, com a ajuda do programa HiSET para equivalência ao ensino médio. Enquanto isso, ela também está cursando Administração online no Brasil, visando especializar-se em Recursos Humanos. “Um dos meus objetivos é ajudar outras mulheres latinas a ingressarem no mercado americano, enfrentando seus medos e barreiras linguísticas”, compartilha.

Ingrid acredita que a mentoria e espaços de troca e apoio mútuo entre mulheres têm grande impacto positivo na jornada de mulheres imigrantes, enfatizando que, ao colaborarem, todas têm a oportunidade de  alcançar seus objetivos. Em seu mais novo projeto, ela dedica parte do seu tempo para ensinar inglês a mulheres das periferias do Brasil.

Nas horas vagas, Ingrid adora fazer bolos de festa. O preferido da vez? “Tres Leches”, que sempre marca presença nos eventos familiares que ela participa nos Estados Unidos com o marido, que é americano-mexicano. Além disso, ela valoriza muito o tempo passado ao lado de seu marido e o convívio com as pessoas da comunidade ao seu redor.

Próximos Capítulos: acompanhe Ingrid pelo LinkedIn.

Siga o BRAVE no Instagram para ficar por dentro dos próximos posts.